A arqueologia do ponto de vista do pensamento crítico contemporâneo / Archaeology for the point of view of contemporaneous critical thought
(5 de Junho, 16h - Anf.VI FLUC) - Vitor Oliveira Jorge
(5th June, 16h - Amphitheater VI FLUC) - Vitor Oliveira Jorge
por
Vítor Oliveira Jorge
Professor catedrático aposentado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto; investigador do CEAUCP.
Creio que a publicação, em 2004 (Londres, Routledge), do livro “Archaeology and Modernity”, pelo meu colega Julian Thomas, da Universidade de Manchester, marca uma importante ruptura com as reflexões anteriores, mesmo dos autores ditos “pós-processuais”, percebendo que a renovação da arqueologia e da teorização da sua prática tem de se compreender “de fora” da disciplina. A arqueologia é um produto da modernidade, e esta tem sido analisada e pensada por numerosos autores que não podemos ignorar, e que continuam a aparecer constantemente. Muitos desses autores não se apresentam propriamente como “filósofos, ou teóricos desta ou daquela área do saber, mas questionaram a própria maneira como a produção do saber costumava ser questionada/teorizada. Ou seja, pensar a arqueologia hoje é uma tarefa muitíssimo mais exigente do que há algumas décadas. Implica uma postura de inter e transdisciplinaridade radical, muito difícil de conseguir, porque obviamente se tem de partir dos problemas da arqueologia e, ao mesmo tempo, conseguir vê-los a partir de fora, como se não fôssemos arqueólogos. Exercício quase acrobático, porque o discurso arrasta-nos sempre para o senso comum vigente. É isso que se pode considerar uma postura crítica, absolutamente básica para se conectar a arqueologia com o conhecimento contemporâneo e para lhe permitir o diálogo com as grandes questões políticas, filosóficas, científicas que se nos colocam na era pós-moderna do capitalismo financeiro neoliberal.
Falta talvez fazer qualquer coisa como um livro chamado por exemplo “Arqueologia e Pós-Modernidade”, prolongando a obra de J. Thomas, e entendendo por pós-modernidade uma palavra convencional que designa o facto de, não se tendo cumprido muitos ideais da modernidade, estarmos numa época em que o ideário do mercado, do empreendedorismo, das sociedades de controlo extremamente subtil e invasor corta com esse próprio ideário da “primeira modernidade”. Sem conhecer (o que não significa subscrever, é óbvio) as reflexões de pensadores como, por exemplo, Jacques Derrida, Giorgio Agamben, ou Slavoj Zizek, entre imensos outros, é minha convicção de que não só não percebemos o mundo em que nos encontramos, como não entendemos por que razão a universidade continua a legitimar (e a legitimar-se) numa visão da história que é anacrónica, enganadora, diria mesmo perigosamente conservadora, e que, reflectida em arqueologia (ainda muito enfeudada à prática histórica) leva a uma situação de impasse entre as indústrias do património (que vendem às massas um passado domesticado), os trabalhos de pesquisa por projectos curtos (tipo mestrados/doutoramentos de Bolonha, etc) que em geral produzem mais do mesmo à pressa, ou o trabalho empresarial na sua maioria preso à mesma lógica de “curto-prazismo” própria do sistema em que estamos mergulhados. Mas a história não parou, nem muitos de nós, seres humanos, se recusaram a pensar para fora das fronteiras deste horizonte imperial que se pretende apresentar como natural, indesmentível, inequívoco, quiçá eterno. Sem cair na pressa das soluções rápidas, que se situam na mesma lógica e portanto se sujeitam à carnavalização do adversário, há que ousar pensar uma nova arqueologia para uma nova forma de comunidade que, por vias travessas talvez, é uma comunidade que há-de vir.
O pensamento crítico contemporâneo coloca os problemas radicais que são os que podem motivar uma arqueologia adulta, liberta da tutela da história narrativa, sequencial, teleológica, legitimadora de uma concepção do tempo banal e retrógrada, como já Walter Benjamin apontou.
--
Archaeology from the point of view of contemporaneous critical thought: some topics
by
Vítor Oliveira Jorge
Retired cathedratic professor of the Faculty of Humanities of the University of Porto; investigator of the CEAUCP
I think that the publishing, in 2004 (London, Routledge), of the book “Archaeology and Modernity”, by my colleague Julian Thomas, of the University of Manchester, marks an important rupture with previous reflections, even from authors consideres “pos-processualists”, understanding that the renovation of archaeology and the theorizing of the practice must be understood from “outside” the subject. Archaeology is a product of modernity, and has been analyses and thought by numerous authors that we cannot ignore and that appear constantly. Many of these authors do not present themselves as “philosophers, ou theoreticians of this or that area of knowledge, but they questioned the very form that the production of knowledge is questioned/theorized. In other words, thinking archaeology today is a much more demanding task than a few decades ago. It implies a radical posture of inter and transdisciplinarity, very hard to attain, because obviously we have to start from the problems of archaeology and, at the same time, see theses from an outside point of view, as if we were not archaeologists. An almost acrobatic exercise, because the speech always drags us to present common sense. This is what can be considerered a critical posture, absolutely basic to be able to connect archaeology with contemporaneous knowledge and to permit a dialogue with the great political, philosophical, scientific questions that are posed in this post modern era of neoliberal financial capitalism.
What is missing, maybe, is something like a book called, for example, “Archaeology and Post-Modernity”, prolonging the works of J.Thomas, and understanding post-modernism as a conventional word that designates the fact that, not having completed many ideas of modernism, we are in an period in which the ideas of market, entrepreneurship, extremely subtle and invasive societies of control, sever the actual idea of the “first modernism”. Without knowing (which does not mean agreeing, obviously) the reflections of thinkers like, for example, Jacques Derrida, Giorgio Agamben, orSlavoj Zizek, amongst many others, my conviction is that we don´t only not understand the world where we find ourselves, but we also don´t understand the reason the university continues to legitimate (and legitimate itself) in a historic vision that is anachronistic, misleading, I would say even dangerously conservative, and that, reflected on archaeology (still very linked to the historical practice) leads to a situation of dead-lock between industries of patrimony (that sell to the masses a domestic past), research labors by short projects (like Bologna Masters/Phds, etc) that in general produce more of the same, in a hurry, or business labor, mostly tied to the same logic of “short-term”, characteristic of the system we are immersed in.
But history didn´t stop, and many of us, human beings, refuse to think outside the frontiers of this imperial horizon that presents itself as natural, undeniable, unequivocal, who knows, even eternal. Without falling for the rush of quick solutions, that are situated in the same logic and so subject to the carnivalazation of adversaries, we must dare to think a new archaeology for a new way of community that, by crossed paths maybe, is the community that will come.Contemporaneous critical thought places the radical problems that are the ones that can motivate an adult archaeology, free of tutelage of historical narration, sequential, teleological, legitimator of a conception of time that is banal and retrograde, as Walter Benjamin had already pointed out.
(5th June, 16h - Amphitheater VI FLUC) - Vitor Oliveira Jorge
por
Vítor Oliveira Jorge
Professor catedrático aposentado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto; investigador do CEAUCP.
Creio que a publicação, em 2004 (Londres, Routledge), do livro “Archaeology and Modernity”, pelo meu colega Julian Thomas, da Universidade de Manchester, marca uma importante ruptura com as reflexões anteriores, mesmo dos autores ditos “pós-processuais”, percebendo que a renovação da arqueologia e da teorização da sua prática tem de se compreender “de fora” da disciplina. A arqueologia é um produto da modernidade, e esta tem sido analisada e pensada por numerosos autores que não podemos ignorar, e que continuam a aparecer constantemente. Muitos desses autores não se apresentam propriamente como “filósofos, ou teóricos desta ou daquela área do saber, mas questionaram a própria maneira como a produção do saber costumava ser questionada/teorizada. Ou seja, pensar a arqueologia hoje é uma tarefa muitíssimo mais exigente do que há algumas décadas. Implica uma postura de inter e transdisciplinaridade radical, muito difícil de conseguir, porque obviamente se tem de partir dos problemas da arqueologia e, ao mesmo tempo, conseguir vê-los a partir de fora, como se não fôssemos arqueólogos. Exercício quase acrobático, porque o discurso arrasta-nos sempre para o senso comum vigente. É isso que se pode considerar uma postura crítica, absolutamente básica para se conectar a arqueologia com o conhecimento contemporâneo e para lhe permitir o diálogo com as grandes questões políticas, filosóficas, científicas que se nos colocam na era pós-moderna do capitalismo financeiro neoliberal.
Falta talvez fazer qualquer coisa como um livro chamado por exemplo “Arqueologia e Pós-Modernidade”, prolongando a obra de J. Thomas, e entendendo por pós-modernidade uma palavra convencional que designa o facto de, não se tendo cumprido muitos ideais da modernidade, estarmos numa época em que o ideário do mercado, do empreendedorismo, das sociedades de controlo extremamente subtil e invasor corta com esse próprio ideário da “primeira modernidade”. Sem conhecer (o que não significa subscrever, é óbvio) as reflexões de pensadores como, por exemplo, Jacques Derrida, Giorgio Agamben, ou Slavoj Zizek, entre imensos outros, é minha convicção de que não só não percebemos o mundo em que nos encontramos, como não entendemos por que razão a universidade continua a legitimar (e a legitimar-se) numa visão da história que é anacrónica, enganadora, diria mesmo perigosamente conservadora, e que, reflectida em arqueologia (ainda muito enfeudada à prática histórica) leva a uma situação de impasse entre as indústrias do património (que vendem às massas um passado domesticado), os trabalhos de pesquisa por projectos curtos (tipo mestrados/doutoramentos de Bolonha, etc) que em geral produzem mais do mesmo à pressa, ou o trabalho empresarial na sua maioria preso à mesma lógica de “curto-prazismo” própria do sistema em que estamos mergulhados. Mas a história não parou, nem muitos de nós, seres humanos, se recusaram a pensar para fora das fronteiras deste horizonte imperial que se pretende apresentar como natural, indesmentível, inequívoco, quiçá eterno. Sem cair na pressa das soluções rápidas, que se situam na mesma lógica e portanto se sujeitam à carnavalização do adversário, há que ousar pensar uma nova arqueologia para uma nova forma de comunidade que, por vias travessas talvez, é uma comunidade que há-de vir.
O pensamento crítico contemporâneo coloca os problemas radicais que são os que podem motivar uma arqueologia adulta, liberta da tutela da história narrativa, sequencial, teleológica, legitimadora de uma concepção do tempo banal e retrógrada, como já Walter Benjamin apontou.
--
Archaeology from the point of view of contemporaneous critical thought: some topics
by
Vítor Oliveira Jorge
Retired cathedratic professor of the Faculty of Humanities of the University of Porto; investigator of the CEAUCP
I think that the publishing, in 2004 (London, Routledge), of the book “Archaeology and Modernity”, by my colleague Julian Thomas, of the University of Manchester, marks an important rupture with previous reflections, even from authors consideres “pos-processualists”, understanding that the renovation of archaeology and the theorizing of the practice must be understood from “outside” the subject. Archaeology is a product of modernity, and has been analyses and thought by numerous authors that we cannot ignore and that appear constantly. Many of these authors do not present themselves as “philosophers, ou theoreticians of this or that area of knowledge, but they questioned the very form that the production of knowledge is questioned/theorized. In other words, thinking archaeology today is a much more demanding task than a few decades ago. It implies a radical posture of inter and transdisciplinarity, very hard to attain, because obviously we have to start from the problems of archaeology and, at the same time, see theses from an outside point of view, as if we were not archaeologists. An almost acrobatic exercise, because the speech always drags us to present common sense. This is what can be considerered a critical posture, absolutely basic to be able to connect archaeology with contemporaneous knowledge and to permit a dialogue with the great political, philosophical, scientific questions that are posed in this post modern era of neoliberal financial capitalism.
What is missing, maybe, is something like a book called, for example, “Archaeology and Post-Modernity”, prolonging the works of J.Thomas, and understanding post-modernism as a conventional word that designates the fact that, not having completed many ideas of modernism, we are in an period in which the ideas of market, entrepreneurship, extremely subtle and invasive societies of control, sever the actual idea of the “first modernism”. Without knowing (which does not mean agreeing, obviously) the reflections of thinkers like, for example, Jacques Derrida, Giorgio Agamben, orSlavoj Zizek, amongst many others, my conviction is that we don´t only not understand the world where we find ourselves, but we also don´t understand the reason the university continues to legitimate (and legitimate itself) in a historic vision that is anachronistic, misleading, I would say even dangerously conservative, and that, reflected on archaeology (still very linked to the historical practice) leads to a situation of dead-lock between industries of patrimony (that sell to the masses a domestic past), research labors by short projects (like Bologna Masters/Phds, etc) that in general produce more of the same, in a hurry, or business labor, mostly tied to the same logic of “short-term”, characteristic of the system we are immersed in.
But history didn´t stop, and many of us, human beings, refuse to think outside the frontiers of this imperial horizon that presents itself as natural, undeniable, unequivocal, who knows, even eternal. Without falling for the rush of quick solutions, that are situated in the same logic and so subject to the carnivalazation of adversaries, we must dare to think a new archaeology for a new way of community that, by crossed paths maybe, is the community that will come.Contemporaneous critical thought places the radical problems that are the ones that can motivate an adult archaeology, free of tutelage of historical narration, sequential, teleological, legitimator of a conception of time that is banal and retrograde, as Walter Benjamin had already pointed out.
Vitor Oliveira Jorge: